“Para quem quer fazer exercícios de reflexão”
Olá crianças!
Uma das disciplinas que eu leciono tem o nome de “Psicologia, Arte e Processos Criativos” e, nessa parte final do semestre, o foco tem sido na experiência mesma dos espectadores diante de uma obra de arte. Na última aula, eu propus aos alunos que apresentaria a eles uma obra qualquer e que, a partir dela, buscaria falar sobre o sentido dela e o que ela comunicava.
“Mas o que isso tem a ver conosco?”, vocês podem se perguntar.
Muito simples. A obra que escolhi, como podem ver abaixo, é uma música que, por acaso, faz parte da trilha sonora de um game belíssimo: Wild Arms para PSX. Eu digo “por acaso” porque anos antes de ter acesso a esse jogo e à sua trilha sonora eu já a havia ouvido. Ou seja, primeiro ela se mostrou como uma música “comum” dissociada da relação com acontecimentos narrativos ou cenas em tela. Tanto que, quando ela toca durante o jogo, apenas contemplei a plenitude de seu sentido que já havia sido comunicada anteriormente para mim.
Enfim, como o processo reflexivo em cima de Funeral Procession pode ser meio longo, achei melhor dividir o texto em algumas partes (esbocei três, mas pode ser menos ou mais) para não sobrecarregar demais suas leituras semanais. E, fica o alerta, não precisam se preocupar com spoilers porque só comentarei eventos que acontecem pouco depois do grupo ter se reunido pela primeira vez (que é quando toca a música efetivamente).
A atmosfera que a música apresenta e que exige que habitemos durante a sua duração é a morte (mais especificamente, um funeral, velório ou marcha fúnebre). Existe um evidente foco na tristeza, mas essa mesma melancolia é ambígua por possuir também algo alegre por meio da homenagem prestada ao morto. Nisso, a música exige não só que nos deixemos envolver por ela, mas também a uma solenidade única enquanto a ouvimos: somos convidados ao silêncio ou, no máximo, ao choro.
Cada compasso dela passa dor, angústia e, principalmente luto. Não é nem mesmo difícil fecharmos os olhos para que mantenhamos os ouvidos atentos para compreendê-la. Não para imaginarmos “algo triste de fato”, mas para sentir o que ela diz porque ela própria é triste e melancólica: seu ambiente é este naturalmente. Logo, não sentimos isso simplesmente porque se trata de uma imitação ou lembrança de dores semelhantes a esta em que sofremos uma perda irreparável: certa e que não pode ser modificada.
Quando a ouvimos pela primeira vez no jogo, sabemos que ela toca após o ataque de monstros a uma cidade que é praticamente dizimada. Diversas pessoas morrem nessa investida; inclusive o próprio rei. Durante a marcha fúnebre em que todos os caixões são levados para o cemitério que a música toca. Abaixo, podem ver essa cena a partir dos 11:39 minutos.
Outras obras de arte que exigem a mesma reverência podem nos ajudar a compreender essa solenidade, pesar e luto que Funeral Procession nos exige e nos comunica. Dois exemplos interessantes são os seguintes que coloco logo abaixo.
O primeiro é uma das várias pinturas que mostram a morte de Joana D’Arc na fogueira. Escolhi essa porque não mostra simplesmente os ingleses eufóricos por matá-la, mas também podemos observar no canto esquerdo algumas pessoas orando e, em certo sentido, respeitando aquela cena toda. Que é exatamente o que pudemos ver na cena do jogo e até mesmo quando simplesmente ouvimos a canção isoladamente.
Outra possibilidade é este outro em que três pessoas choram a morte de Cristo em seu sepultamento. A dor, o pesar e o luto estão muito bem esboçados nos rostos deles e também comunicam a mesma coisa que Funeral Procession.
Claro que esse alargamento de horizonte compreensivo não se limita a artes com imagens. Cada música carrega junto de si toda a história desse fazer artístico consigo. Há décadas e séculos atrás a mesma experiência poderia ser vivenciada por outras canções. Mas isso fica para o próximo artigo.
Era isso que queria trazer nesta semana. Até o próximo post!
“Música é vida interior. E quem tem vida interior, jamais padecerá de solidão”. Artur da Távola (1936-2008).
Músicas têm vida própria, pois cada um pode ter uma interpretação diferente para cada obra. Atrelar a uma imagem pode mudar uma visão. Por exemplo, “A Cavalgada das Valquírias”, de Wagner, é uma música imponente, arrebatadora. Porém, no filme “Apocalipse Now”, quando ela é usada é mais como se fosse um deboche à grandiloqüência dos personagens envolvidos na guerra.
Em games não é diferente. Muitas emoções podem surgir ao ouvir uma determinada música, mesmo fora do contexto. Mas com o reforço da parte visual ela chega a outro patamar, sendo mais representativa. A própria música de abertura do Wild Arms é um bom exemplo. O som do violão e do assobio remetem aqueles filmes western antigos, que é reforçado com a animação dos personagens em um mundo claramente inspirado naquela época.
Enfim, acho que música e imagem sobrevivem sozinhos, mas ganham uma força extra quando estão juntos dentro de um contexto, até porque atacam, de uma só vez, dois dos nossos sentidos mais utilizados: visão e audição.
Onyas[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
Forte essa música ein… Nunca tinha escutado, até animei de jogar!
Guilherme[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
@Onyas
Músicas têm vida própria, pois cada um pode ter uma interpretação diferente para cada obra.
concordo com você, Onyas. as músicas são mutáveis e nos transmitem sentimentos de alegria,humor,tristeza,terror e muitos outros…quando tinha 15 anos estava zerando Legend of Mana no PS1 e eu enfrentava os ultimos desafios da árvore de mana, a ultima fase do game. depois de matar a Queen Mana. havia o final do jogo, e quando começou a tocar…não sei o que deu em mim…comecei a chorar do nada..e foi na locadora…pense num mico,não sei se foi porque o heroi morre para salvar o mundo do jogo ou por outro motivo, mas a musica com certeza teve algo haver. nunca pensei que a musica de um game seria capaz disso. tanto que estou ouvindo a musica agora….e me chamem de chorão ou emotivo, lágrimas escorrem pelos meus olhos sem eu querer nesse exato momento aqui ……vai ver porque o jogo foi tão marcante que toda vez que lembro da canção final do game,fico emotivo.
mesmo depois de 10 após ter zerado o game,a musica final ainda me deixa assim….
belo post Senil,Fungando muito aqui.snif…..
leandro(leon belmont)alves[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
essa música me arrepiou
Naton[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
Eu sou suscetível à música da fase “Sky Chase Zone” do Sonic 2. Difícil explicar a razão.
Naton[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
Senil
Vou lembrar 2 fatos que remetem sobre o que comentou eu acho.
O primeiro foi quando terminei o game Panzer Dragoon 1.
A trilha sonora remete uma perda e uma esperança em suas variações e ela alterna entre a tristeza e a melancolia e a esperança e a alegria. Uma das trilhas mais envolventes e mais marcantes junto com uma história magnifica que infelizmente a SEGA que é uma empresa que admiro muito mas que tem fracassado atualmente em suas investidas atuais (o que não vem ao caso). Lembro que chorei muito pois não sei se só fui eu mas vi que o herói do jogo fica sozinho no deserto pois o seu amigo dragão vai ao embate e morre em combate para o salvar, sempre imagino isso.
O outro jogo não menos fantástico e meu JRPG preferido de todos foi no caso a trilha sonora junto com o conjunto da obra toda: Final Fantasy VI.
Vou citar alguns momentos como Maria (cantora lírica) sendo substituida pela General Celes, a morte da familia do Cyan que depois num momento vê eles embarcando num trem fantasma para outro mundo e você parece poder sentir a dor de Cyan, A rejeição do garoto selvagem Gau pelo pai; a disputa pelo poder num jogo de cara ou coroa pelos irmãos Fígaro, a mente doentia de Kefka e seus planos nefastos para conquistar poder a todo custo, juntos com sua trilha sonora espetacular, perfeita, que remete cada situação. Tanto que esse jogo me fez eu chorar copiosamente quando o encerrei. Esses dias ouvi Lonlonjp no youtube.com tocando o tema de desfecho Coin Song e é enternecedor simplesmente.
O Onyas citou muito bem o Wild Arms e sua introdução que comparo com a introdução de FF VI, ambas arrebatadoras e espetaculares.
Resumindo:
Nesses games citados uniram tudo sobriamente e que nos fazem sentir emoções nunca sentidas em outras situações. Se o jogo não tiver uma musica agradavel ou melhor marcante que passe a emoção, acho que perde mais de 50% da experiência de zerar um jogo, ela nos motiva a algo e tem uma influência indireta até perigosa talvez mas isso é outra história.
Espero não ter tomado e viajado muito nesse tempo
Ulisses Old Gamer 78
Ulisses Old Gamer 78[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
Vale citar também a música que toca em Chrono Trigger quando você enfrenta o Magus.
Eu lembro da primeira vez que eu ouvi, fiquei tão embasbacado que quase nem consegui jogar direito – levei uma sova do Magus. Ainda hoje é uma das minhas trilhas sonoras favoritas.
Eu nem vou falar da série Mega Man que aí também é covardia…
Onyas[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
Lendo a assistindo aos vídeos só me veio um pensamento pra comentar.
Hoje em dia muito se vê em gráficos, quando não é preciso de todos esses artifícios pra se passar uma boa história e ocasiões de emoção seja com o vídeo ou o áudio do jogo, e existe muito jogo com gráficos da antiga que dão show em jogos da atualidade.
Vejo na Square mesmo, Chrono Trigger é um jogo antigo dela mas tem um coletivo de produção que na minha opinião ainda não teve igual ou tão bom quanto com seus jogos posteriores.(não joguei Chrono Cross)
Juliano[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
O Mestre sempre com assuntos interessantes!Na verdade música e história em jogos , em minha opinião, sempre foram algo, se não dispensáveis , ao menos de importância muito menor. Mas existem jogos que nos cativam justamente pela história e pela música e um exemplo disto é o jogo Shadow of the Colossus.A história nem tanto, mas a música…É obra de arte!!E quando ouço algumas lembro-me exatamente do momento que elas representam.E para aqueles que ainda não conhecem convido vocês á ouvirem ao menos 2 exemplos (recomendo que ouçam toda a trilha do jogo).Essa toca no inicio do jogo , enquanto o “herói” se dirige ao templo => http://www.youtube.com/watch?v=l50KoHHHzQQ
Essa toca durante as lutas contra os Colossus => http://www.youtube.com/watch?v=BuM0yRyPLAs&feature=related
É simplesmente fantástica!
Marcos A.S. Almeida[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
@Onyas
De fato, muitos podem atribuir sentidos diferentes a uma mesma música. Mas isso não torna a música uma simples miríade relativa de signficados: todos eles expressam apenas formas com que a música aparece. Nessa música de Wild Arms, por exemplo, há tanto alegria (pela homenagem aos mortos) como tristeza (pela perda). Alguns focam mais um aspecto que outro, mas a ambiguidade permanece no modo de ser da música. E isso com qualquer fenômeno, não só a música e nem só a arte.
Algumas músicas estão realmente muito atreladas a imagens visuais (penso na ópera como um exemplo mais antigo), mas em muitos casos o aspecto visual não é necessário. Nesse caso, na minha experiência com Funeral Procession, ver a cena em que ela toca no jogo apenas tornou mais claro o sentido que ela já tinha mostrado por si mesma anteriormente.
@Guilherme
Pois jogue mesmo! Esse é um jogo que recomendaria apenas pela trilha sonora que é soberba! Estou doido para jogar de novo e fazer uma resenha bem bacana para colocar aqui! Está na minha lista de games logo depois do Shining Force II. hehehe
@leandro(leon belmont)alves
hehe Aqui na Academia não tem pagação de mico não! Não precisa se preocupar! Eu mesmo falei numa resenha sobre a música de encerramento de Policenauts que gera algo assim mesmo. Algumas vezes é pela tristeza oriunda do final mesmo, mas muitas vezes é pela própria melancolia da despedida daquele mundo de jogo. Lembra do pos-ludere? a despedida muitas vezes nos faz chorar. E em incontáveis jogos isso aconteceu e acontece comigo ainda. Assim como eu sempre me debulho em lágrimas nas cenas finais de Coração de Dragão (o filme, manja?). E eu já assisti esse negócio umas quinze vezes (e não estou exagerando no número hehehe). Ou o encerramento de Chrono Cross (e até a abertura, se for o caso huahuahauahua)
O choro evitou até seu Hee-Hoo?! Caramba, essa música deve mexer mesmo com você! huahauhauhauha
@Naton
Boa né? O arrepio dela ainda passa pela minha espinha toda vez que escuto. E isso desde a primeira vez.
Sonic tem músicas memoráveis também. No meu caso, é mais a faixa da Star Light Zone. Cansei de deixar o Sonic morrer pelo tempo só para ouvir a música dar loop direto. hehehehe
@Ulisses Old Gamer 78
Panzer Dragoon é realmente espetacular. Eu joguei bem pouco na verdade (o primeiro, o Zwei e o Saga), mas é sensacional sim. Admiro muito a Sega nesse quesito. Quando ela deixava de se preocupar com vendas, criava cenas e músicas lindíssimas. Pô, até NiGHTS me emociona mesmo a música final sendo meio tosca. hehehehe
Final Fantyasy VI é um bom exemplo. Eu mentiria se dissesse que não me emocionei nessas cenas que falou, mesmo eu criticando tanto a série em geral (às vezes até mesmo pelo excesso de carga emotiva que dão a partir do FFVI mesmo). Mas eu fico assim no FFV também em muitas cenas (uma até bem no comecinho do jogo e muitas outras no decorrer dele) que o tornam meu preferido na série toda.
Particularmente, não curto muito o trabalho do Nobuo Uematsu. Como o Motoi Sakuraba (de Valkyrie Profile, por exemplo), ele tende a soar repetitivo para mim… Mas admiro faixas isoladas das trilhas sonoras dele como muitas de FFVI. O próprio Motoi tem trilhas soberbas como todas as que fez na série Shining.
E, claro, concordo plenamente com o papel da música nisso tudo. Ela é peça importantíssima em todo jogo. Passa a atmosfera do jogo muitas vezes (épica, festiva, triste, solene etc.).
E também não tomou tempo não! hehehehe O que importa aqui são os comentários; nunca se esqueça disso! hehe
@Onyas
Bom, eu sou suspeito para falar porque adoro o trabalho do Yasunori Mitsuda. Mesmo trilhas de jogos que nunca joguei (e talvez nunca jogue) feitas por ele ainda me envolvem de um jeito totalmente diferente. A série Chrono é só a pontinha do iceberg. Mas que ponta de iceberg! hehehehehe A que mais gosto de Chrono Trigger é a de 600AD (a música do mapa mesmo). Essa me fazia viajar legal. E ainda faz. 🙂
@Juliano
Concordo. Chrono Trigger é o exemplo-mor de que a Square pode fazer algo que preste! huahuahuahauhauhauha E Chrono Cross é bacana também. desbanca todos os Final Fantasies do PSX numa boa. Tanto que meu trio predileto de RPGs desse console comporta: Wild Arms, Xenogears e Chrono Cross (não necessariamente nessa ordem).
@Marcos A.S. Almeida
Sim. Há jogos em que a estória e a música não importam muito mesmo. A ênfase nem sempre recai neles pelos designers e às vezes nem precisa mesmo. Ficar dando estórias complexas para alguns jogos como Tetris me parece um tanto incoerente (embora possa ser engraçado, às vezes hehe).
Eu joguei pouco Shadow of the Colossus, mas as músicas são boas mesmo. Combinam com a atmosfera do game e a oferecem bem claramente para nós. Preciso pegar um dia com calma para jogar de novo.
O Senil[Citar este comentário] [Responder a este comentário]