“Para quem quer fazer exercícios de reflexão”
Olá crianças!
Tem duas coisas que gostaria de usar como gatilho neste post de hoje. O primeiro é o que já falamos um pouco neste post anterior. Tentei argumentar a favor da inutilidade dos jogos; seus objetivos só fazem sentido dentro dele mesmo. Por exemplo, dentro de cada jogos, assumimos suas tarefas e dentro do próprio jogo vemos as suas consequências. Evidentemente que podemos “carregar” conosco coisas que aprendemos em um mundo-jogo para o “mundo exterior”; mas não jogamos para isso, tendo isso como objetivo. É como ao fazermos uma viagem para algum lugar; até trazemos alguma lembrança, mas não viajamos para trazer lembranças – o prazer da viagem está em estar lá naquele lugar e desfrutar dele e não nas pedras, conchas e objetos que trazemos ao retornarmos para casa.
Agora, o segundo ponto. Não sei se todos vocês conhecem o site Baú de Jogos. Pois bem, ele mudou muito de uns tempos para cá (e eu mal entro nele agora), mas sempre me fazia rir (e, descobri agora, ainda me faz rir) um bocado com seus reviews de jogos. Mas tinha algo que sempre me chamou a atenção no antigo site. Eles definiam categorias para jogos; algumas eram especiais como “libere toda a sua grana”, mas outras eram mais relacionadas diretamente ao gênero do jogo (RPG, Estratégia etc.). E uma destas categorias era a de “não-jogo”. E, depois que comecei a estudar a respeito de games e jogos de modo geral, ficou bem claro para mim que existem cosias que não são jogos, ainda que os chamemos assim.
No caso de games, e no caso desta categoria deles, “não-jogo” eram softwares com ênfase em alguma outra coisa que não jogar que se tornaram mais comuns com o advento dos consoles que utilizavam CDs como mídia ao invés de cartuchos. Por exemplo, revistas digitais, enciclopédias, videoclipes e quaisquer outras coisas. Evidentemente que, em última instância, ouvir uma música ou ver um videoclipe até poderia ser considerado como jogo, mas não é isso que quero trazer aqui. Um exemplo de “jogo que não é jogo” é este da capa acima: The Colors of Modern Rock do Sega CD. Falei um pouco sobre ele há bastante tempo neste post aqui.
Quero que pensem naqueles que passariam longe dessa classificação de não-jogos; aqueles mui conhecidos “jogos educativos” que têm por pretensão “ensinar alguma coisa de maneira leve e lúdica”. Algumas vezes são até mesmo usados em salas de aula para “reforçar o aprendizado”. Mas o que quero dizer aqui é que estes jogos educativos não são, essencialmente, jogos. E vou tentar explicar porquê.
Como não me canso de falar, jogar é um “jogar-se”. Você se joga para o jogo e então é jogado por ele. Nós não controlamos nada no jogo; entramos nele por nosso próprio esforço, mas uma vez lá dentro, deixamos com que nos leve para onde ele quiser. Esta entrega é essencial a qualquer jogo seja ele eletrônico, de tabuleiro, de imaginação, ou qualquer outro que possam pensar. Além disso, o fim (a finalidade) do jogo não está fora dele: estamos em um mundo em que a utilidade não importa mais porque, pelo uso da razão, assumimos as tarefas de jogo como fins em si mesmas ao invés de nos pautarmos por objetivos “mundanos” como aprender um idioma, conseguir um emprego ou algo do tipo. O jogo tem sua finalidade nele mesmo.
Exemplo de jogo educativo. Eu tinha ele na minah escola durante o Ensino Fundamental. 😀 Era este e o Stunts.
Em um “jogo educativo” estas duas regras essenciais estão ausentes. Além de muitas vezes haver a obrigação de ser jogado (pela escola, ou por pais, por exemplo), seu fim é mais “relevante” que a mera diversão e viagem a outro mundo. Um exemplo, que creio ser comum a muitos gamers, pode ajudar a ilustrar isto. Lembram-se de suas aulas de educação física? Devem se lembrar em algum dia em que não estavam nem um pouco a fim de fazer coisa alguma na aula, mas o professor obrigava cada aluno a participar dos times de vôlei e jogar. Certamente que concordariam comigo que você estaria lá na quadra, mas que não “estava lá” de verdade. Ou seja, não se entregou ao jogo. Jogo este que, se o professor for realmente preocupado com o que leciona, teria um objetivo distante da diversão e muito mais próximo de uma melhora do condicionamento físico e laços sociais. Ou seja, mesmo sem ser obrigado a jogar vôlei, você deveria jogar pela diversão e sim para obter alguma vantagem fora dele. Ou seja, além de jogar algo obrigatoriamente mata o jogo, jogar para ter um bom condicionamento físico, para emagrecer ou qualquer outra coisa torna a situação toda em um não-jogo (seja aquela repetição de exercícios em academia ou não).
Por isso, não seria incorreto dizer que usamos o termo “jogo” mais como metáfora nestes casos do que como uma descrição fiel do que acontece ali. Mas se o chamamos assim, é porque ele tem algo de jogo. Por exemplo, não dizemos que “folhas dançam ao vento”? Dançar é um tipo de jogo e, embora saibamos que as folhas não dançam propriamente, dizemos isto delas por uma razão (afinal de contas, o uso e a escolha que fazemos de palavras não é arbitrário): pelo seu movimento. O jogo é movimento, um vai e vem que envolve repetição e retorno constantes ao mesmo lugar. E algo disso existe nestes jogos educativos.
Typing of the Dead. Um excelente jogo feito pela Sega baseado em The House of the Dead. Um jogo com pretensão educativa que consegue ser muito divertido mesmo assim. 🙂
Um professor que participou da minha banca de mestrado disse que concordava comigo já que, no meu texto, eu afirmava que a obrigação aniquila a possibilidade de haver jogo. Ele disse que chamava isso de antijogo. Então, se há a obrigação de jogar alguma coisa, se o objetivo do jogo é para algo fora dele mesmo, então não é um jogo puro e genuíno (embora possa sê-lo metaforicamente).
E em games? A mesma coisa se aplica. O que quero dizer é que temos que ter a consciência de que nem tudo que é lançado para PCs e consoles é jogo. E também que, nem tudo que possui o nome de “jogo” é um jogo só porque dizem que é. Jogos educativos podem ser úteis (e muitas vezes o são), mas não são jogos de verdade. Evidentemente, a atitude do jogador também influi neste aspecto: se você se entrega de corpo e alma para um jogo como o Typing of the Dead você estaria realmente jogando alguma coisa (mesmo que estivesse matando zumbis com sílabas, palavras e frases digitadas em seu teclado).
Compton’s Interactive Encyiclopedia para Sega CD. Outro exemplo de “jogo que não é jogo” ou, se preferirem, um “game que não é um game”.
Analogamente, as coisas não se transformam em jogos ou games por serem “interativas”. A enciclopédia para Sega CD indicada logo acima não é um jogo por ser “interativo”. Não vamos nos confundir! Não é possível que deixemos de interagir com as coisas ou que haja “mais interação” ou “menos interação”; é uma questão qualitativa e não quantitativa. Podem até pensar, “mas não interajo muito com um filme”. Se ele for um bom filme e você se entregar a ele, interage sim; às vezes mais do que com um game. As relações que estabelecemos são de troca: tocar é ser ao mesmo tempo tocado; e isso é o que deveria ser entendido por interatividade já que mesmo ao percebermos algo já a afetamos, já lhe atribuímos um sentido. Será então que a nossa própria condição de estar no mundo não possa ser compreendida (metaforicamente, talvez) como jogo? Mas essa discussão requer maior desenvolvimento e não quero deixar este texto longo demais. Para completar com uma frase infame, “nem tudo que reluz (através do seu console) é jogo”.
É isso por hoje. Até o próximo post!
Jogos deste tipo apenas utilizem o vídeo-game como meio de atingir o público alvo de uma forma diferente, digamos que em um “ambiente” que eles gostam e estão familiarizados, assim como vídeos e programas de televisão com o mesmo fim.
Tchulanguero[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
Interessantes esses jogos. No ano passado joguei o WarioWare, Inc.: Mega Microgame$, para GBA, que contém alguns mini-games de quiz e raciocínio rápido.
Thanos[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
É isso aí.
Cheguei a tentar conceituar o que é um jogo no meu blog. Resumindo: jogo é toda atividade recreativa/lúdica onde metas devem ser cumpridas seguindo um conjunto de regras. Se um jogo não possui meta, não consigo considerar como jogo. Um exemplo disso para mim é o Sim City. Nele não há necessidade de atingir uma determinada meta populacional ou econômica. O jogador só vai construindo a cidade e geralmente acaba destruindo ela no final.
Já Civilization é similar no conceito mas estimula o jogador a atingir algo, seja a vitória diplomática, ou dominação total. Além disso, tem os scenarios com situações específicas para serem vencidas baseadas em situações históricas.
No caso de Typing of the Dead, além de estimular a aprender digitação, o jogador deve eliminar os zumbis e chegar no final de cada fase, matando o chefe final e se salvando. Possui um viés educativo, mas é um jogo em sua melhor forma. Vencer um conjunto finito de fases é uma meta.
Fernando Lorenzon[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
Educativos são Divine Sealing (SMD) e Strip Fighter (PCE) #trollface
Daniel “Talude” Paes Cuter[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
Te falar que depois que começei à estudar sobre computadores no longíquo ano de 1996, nunca mais enxerguei qualquer coisa que tenha uma plaquinha de silício chamada de processador com os mesmos olhos !
Processadores só fazem cálculos (astronômicos por sinal) e nada mais, então não passam de calculadoras ultra-poderosas. Pronto acabei com a magia dos consoles ! 😛
Então consoles são computadores ? Sim, mas com um propósito bem específico : Jogos ! Maasss, alguém em alguma época teve a idéia de vender “aplicação” educativa como “aplicação” de jogo e aí vira jogo educativo !
Sim Senil, você está certo, nem tudo que reluz é jogo.
Aliás, aproveitando o gancho, lembro da época que os japoneses insistiam nessa idéia de transformar os consoles em estações de entretenimento multimídia (CDi, 3DO, Sega CD…)e nunca dava muito certo porque no final das contas, o cara comprava o console para ter um jogo. Se ele quisesse mais recursos comprava um PC e não um videogame oras ! E um pouquinho antes no tempo, eles tentaram fazer isso com PCs e no final das contas esses PCs se tornaram consoles super parrudos, embora tenham encontrado seu nicho para aplicações mais sérias também (MSX, Sharp 68k entre outros…). Hoje em dia, o negócio está tão misturado, que dá para instalar Linux em Playstation 3 (Meu professor de compiladores programa no Play 3 dele ! oO), desenvolver aplicações para Nintendo DS, pessoas compram iPhone só por causa dos jogos, celulares se parecem mais com PCs de bolso do que telefones mesmo que vc até esqueçe que é um telefone, enfim… Processadores ! Plaquinhas de silício !
Sobre filmes ? Sim interagimos com eles sim, rimos, choramos, torcemos, nos assustamos, ficamos felizes, agoniados… Compartilhamos com personagens fictícios suas emoções… São como jogos, mas não no sentido de cumprir metas, só no sentido de viver aquela história mesmo.
@Fernando Lorenzon
Rapaz, eu nunca tinha parado para pensar nisso à respeito do SimCity ! Tão óbvio, um simulador de cidades disfarçado de jogo ! Mas peraí, não poderia ser um game com objetivo aberto também ? Onde quem define o objetivo é o jogador ? Tipo : Vamos ver até onde consigo administrar essa cidade até que ela se exploda, ou em quanto tempo eu consigo desenvolver essa cidade.
Flávio de Oliveira[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
Se fosse esse o caso os jogos do Atari, que o único objetivo é sobreviver até não poder mais, não seriam jogos?
Michel Alisson[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
Eu já fiz parte de um projeto social em que toda semana levávamos um jogo educativo para um abrigo de crianças e dávamos assistência a elas. Eram aqueles “jogos” de desenhos da Disney, com muitas cenas animadas e algumas partes interativas educativas, coisas como soletrar palavras, por exemplo.
Sinceramente, o que as crianças queriam era ver as animações e um pouco de ação. E quando eu tinha a idade delas, pensava a mesma coisa. Jogos educativos são CHATOS, pronto, falei. Tá bom, generalizar é ruim. Talvez alguns sejam legais, mas a maioria que eu “joguei” era bem sem graça.
Patty K[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
saudades dessa época!!!!!
helinux[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
@Michel Alisson
Eu considero que sim, porque há uma pontuação que serve como comparativo de performance entre os jogadores. Além disso, a pontuação serve de uma medida de progresso do game.
Fernando Lorenzon[Citar este comentário] [Responder a este comentário]
De novo, desculpem a demora em responder! Mas vamos lá!
Ah, antes, queria acrescentar para discussão que li uma matéria estes dias em algum lugar a respeito de algumas escolas que estão adotando um “recreio dirigido” com atividades programadas para crianças do primário (presumo eu que sejam das primeiras séries pelas imagens). Talvez isso se encaixe nesta discussão: para não fazer as crianças “perderem tempo” durante o intervalo, decidiram “obrigá-las” a fazer determinadas atividades ao invés de fazerem o que quiserem.
@Tchulanguero
Sim, com certeza. Assim agradam a gregos s troianos (ou pais e educadores se preferir hehe). eu lembro de uma propaganda em revistas de games sobre um console, compatível com Atari acho, que vinha com cartuchos que ensinavam música, português e outras disciplinas. Vou ver se acho depois e escaneio.
@Thanos
Bem lembrado. Alguns “jogos” recentes (como o brain Age) têm esse objetivo de ensinar ou melhorar alguma habilidade do seu usuário. Claro que isso varia não só com o jogo, mas com a atitude de quem joga. Por exemplo, eu jogo sudoku de vez em quando orque acho divertido; mas tem gente que joga para “melhorar a capacidade mental” (seja lá o que isso signifique hehe).
@Fernando Lorenzon
De fato, tocou em dois aspectos essenciais aos jogos: a tarefa que ele nos coloca (que chamou de “meta”) e as regras que delimitam o seu campo (e aquilo que, se feito, nos rtira dele).
No caso de SimCity, não há uma tarefa muito clara a não ser “administrar uma cidade e evitar que ela vá a falência”. Por ser algo que não tem fim (sendo uma meta perpétua por assim dizer), acabamos nunca chegando ao seu termo e, por isso, destruímos a cidade no final. Civilization eu nunca joguei, então nem posso dizer nada, mas imagino que tenha metas bem mais específicas (como conquista de certo território e coisas assim). Vou ir falando mais disso nas outras respostas.
Um “jogo” educativo também tem uma meta, mas ela só se realiza fora do campo do jogo. Ou seja é extrínseca ao jogo mesmo; por isso que não acho que chamar de “jogo” seria adequado. O Typing of the Dead pode ser jogado assim (para melhorar a digitação), mas também para se divertir (um tipo de novo desafio – ao invés de ser rápido e preciso no gatilho, ser rapido e preciso no teclado). Algo que, ao menos para mim, me parecia impossível no jogo de digitação do Mario. hehehe
@Daniel “Talude” Paes Cuter
huahuahuahuaha Cara, se esses jogos fossem pelo menos bons! hehehe Eu até já falei do Divine Sealing por aqui um bom tempo atrás. É o pior jogo de nave que já joguei na minha vida. hehehehe
@Flávio de Oliveira
Quem queria vender o console como algo que “servia para alguma coisa” (lembra quando discutimos a inutilidade do jogar?) durante os anos 1980 acabou adotando esta postura mesmo que descreveu. Por isso que PCs funcionaram como um dos fatores que levaram a indústria dos videogames à bancarrota nos Estados Unidos (tudo bem que ajudaram depois a revitalizá-la, mas isto é outra história). Os PCs eram úteis e divertidos. Consoles e fliperamas, eram “só” divertidos.
E muita gente esquece disso tudo que falou mesmo (sobre consoles serem computadores voltados para algo em específico e sobre outras tecnologias aderindo a jogos também).
Quanto ás metas em filmes, a tarefa que o filme (ou uma peça nos coloca) é que nos deixemos levar por ela. Que nos deixemos envolver. É uma tarefa que, se bem cumprida, se revela extraordinária.
Sem dúvida, em muitos jogos (com objetivos e metas claras ou não) é o jgoador quem define seus próprios objetivos. Lembro que quando eu jogava Sim City, as metas eram menores do tipo “conseguir dinheiro para construir uma ponte” e coisas do tipo. Jogos muito abertos costumam ser enfadonhos por conta disso: é preciso criar um objetivo que o empolgue a prosseguir. Em Ultima IV (o único que joguei) isso é importantíssimo; embora a meta que mais tenha gostado de cumprir e que eu mesmo me dei foi surrar o rei de Britain. hehehe
@Michel Alisson
São jogos sim porque a maioria deles têm objetivos claros até. Por exemplo, Bobby is Going Home é chegar em sua casa a cada dia. Já em River Raid, o objetivo é mesmo a pontuação. Mas o próprio jogador pode estabelecer seus objetivos como, por exemplo, “atingir o máximo de pontos em River Raid sem reabastecer uma única vez e só atirando em inimigos”.
Buscar um escore não deixa de ser um objetivo. Não é isso que muitos atletas fazem? Diminuir seu tempo, aumentar a altura de seu salto etc.? Que é o que o fernando falou mais abaixo.
@Patty K
huahuahua Adorei sua sinceridade!
Eu compartilho desta mesma opinião. Justamente por isso que acho que jogos educativos não são jogos; se fossem divertidos, aí sim poderiam ser chamados assim. Alguns até podem ser jogos (como o Typing of the Dead que falei no post), mas a maioria não chega nem perto desta qualificação.
@helinux
hehe Até hoje saem jogos que não são jogos se você prestar atenção.
O Senil[Citar este comentário] [Responder a este comentário]